sexta-feira, 12 de maio de 2017

Sobre Puritanos, Puritânicos e Neopuritanos.


À semelhança de outros rótulos que rolam no meio evangélico, “puritano” é um dos mais mal compreendidos e um dos que é usado mais eficazmente para destruir a reputação de alguém. O termo tem conotação pejorativa hoje em dia. Um puritano é visto como alguém de moralidade falsa ou hipócrita, e por mais que os simpatizantes dos antigos puritanos tentem passar uma imagem positiva a respeito deles, a mancha negativa (e injusta) permanece. Os puritanos viveram entre o século XVI e XVIII. Eram leigos e ministros ordenados da Igreja da Inglaterra e das igrejas presbiterianas, batistas e congregacionais. 
O apelido “puritanos” foi colocado por seus inimigos, para ironizar o ideal de pureza que defendiam. O puritanismo não era uma denominação, mas um movimento dentro da Igreja da Inglaterra e das igrejas independentes, que desejava maior pureza na Igreja, no estado e na sociedade. Queriam que a Reforma, iniciada antes, fosse completa. Acusavam que a igreja inglesa havia parado entre Roma e Genebra. Estavam insatisfeitos porque ela havia se reformado apenas parcialmente, conservando ainda muitos elementos do catolicismo que consideravam como contrários às Escrituras.

Os puritanos escreveram e produziram muito material teológico. Foram eles os responsáveis pela famosa Confissão de Fé de Westminster, que até hoje é a confissão de fé de igrejas presbiterianas e batistas reformadas. A firmeza com que defendiam suas convicções, o rigor teológico e exegético de suas obras, o modo de vida frugal, austero e simples que defendiam, valeu-lhes uma reputação de gente inflexível, sisuda, pudica, e obtusa, especialmente depois que caíram em desgraça política na Inglaterra e se desviaram para uma religião legalista e introspectiva após o período de Cromwell, desembocando no não conformismo.

O movimento puritano foi um momento importante na história da Igreja. Apesar de ter passado, sua teologia permanece viva nos documentos históricos de denominações reformadas e na vasta literatura que os pastores puritanos deixaram. Charles Spurgeon e Martyn Lloyd-Jones são considerados, entre outros, como últimos remanescentes do que havia de melhor no puritanismo. Em nossos dias, todavia, um interesse crescente pela teologia puritana, sua piedade, devoção e espiritualidade tem crescido cada vez mais, não somente no Brasil, como especialmente no exterior. Uma editora inglesa – a Banner of Truth Trust foi a responsável pela reimpressão de obras de puritanos famosos como John Owen, John Flavel, Jonathan Edwards. Muitas delas têm sido traduzidas e publicas no Brasil. Além disso, autores modernos têm se colocado dentro da tradição puritana, como J.I. Packer, R.C. Sproul, John MacArthur, entre outros.

O termo “puritânicos”, por sua vez, foi usado algumas vezes aqui no Brasil, em 2001, na finada revista teológica Fides Reformata semper Reformanda Est, para estigmatizar quem segue hoje a teologia puritana de Westminster e quem se recusa a aceitar a pluralidade teológica e o inclusivismo acrítico nas instituições de teologia reformadas. Os “puritânicos” foram também chamados de fundamentalistas xiitas da linha de Carl McIntire. Pode-se inferir que o termo realmente visava marcar negativamente um determinado segmento dentro da igreja evangélica como intransigente, obscurantista, ativistas teológicos rebeldes, etc.

O termo neopuritanos tem sido usado para designar os adeptos da teologia puritana no Brasil que passaram a usar determinadas doutrinas e práticas como identificadoras dos verdadeiros reformados, como o cântico exclusivo de salmos sem instrumentos musicais no culto, o silêncio total das mulheres no culto, a defesa do cessacionismo com base em 1Coríntios 13.8 (posição contrária à de Calvino), um entendimento e uma aplicação estreitos do princípio regulador do culto e outros distintivos semelhantes. Essas posições acabaram isolando os adeptos dessa linha do movimento de outros reformados que adotavam a teologia de Westminster, mas que discordavam que os pontos acima fizessem parte da essência da fé reformada ou mesmo do puritanismo.

Infelizmente, a rotulação “puritânicos”, os posicionamentos de alguns neopuritanos, a maneira agressiva com que alguns deles às vezes defendem suas idéias, acabam sendo associados à renitente conotação pejorativa que o nome "puritanos" já carrega. Junte-se a isso a ignorância crassa das massas evangélicas sobre o que realmente foi o puritanismo. Ao final, tem-se uma rejeição generalizada da teologia e da piedade puritana em nossos dias. Digo infelizmente pois acredito que os puritanos foram teólogos de grande envergadura, os verdadeiros intérpretes do pensamento de Calvino e um dos poucos grupos reformado que deu ênfase ao lado experimental desse pensamento. Lamento também porque a espiritualidade deles e sua ênfase na religião prática seria um excelente corretivo para os que buscam espiritualidade nos místicos católicos da idade média.

Não creio que caiba, na realidade multi-cultural brasileira do século XXI, o transplante do puritanismo da Escócia e da Inglaterra dos séculos XVI e XVII com todos os seus detalhes, alguns com um contexto histórico muito marcante. Mas, acredito que se possa resgatar, com os devidos cuidados, sua teologia e sua piedade, se todos os que amam a teologia de Westminster e das outras confissões igualmente influenciadas pelo puritanismo, deixassem de lado as idiossincrasias puritanas dos séculos passados e se concentrassem naquilo que é central no puritanismo: a busca da pureza individual, do culto, na família, na sociedade, na igreja e no estado. Talvez ainda haja esperança para que a teologia puritana sobreviva dentro das igrejas que são historicamente suas herdeiras, e não somente entre os irmãos pentecostais, que mais e mais estão descobrindo e abraçando Matthew Henry, John Gill, John Owen, Jonathan Edwards, C. H. Spurgeon, J. I. Packer, D-M. Lloyd-Jones e John MacArthur.

Terminando, cito um parágrafo do C. S Lewis sobre os puritanos, que me foi enviado pelo Franklin Ferreira. Gosto de pensar neles dessa forma:

Devemos imaginar estes Puritanos como o extremo oposto daqueles que se dizem puritanos hoje, imaginemo-los jovens, intensamente fortes, intelectuais, progressistas, muito atuais. Eles não eram avessos à bebidas com álcool; mesmo à cerveja, mas os bispos eram a sua aversão’. Puritanos fumavam (na época não sabiam dos efeitos danosos do fumo), bebiam (com moderação), caçavam, praticavam esportes, usavam roupas coloridas, faziam amor com suas esposas, tudo isto para a glória de Deus, o qual os colocou em posição de liberdade. (...) [Os primeiros puritanos eram] jovens, vorazes, intelectuais progressistas, muito elegantes e atualizados ... [e] ... não havia animosidade entre os puritanos e humanistas. Eles eram freqüentemente as mesmas pessoas, e quase sempre o mesmo tipo de pessoa: os jovens no Movimento, os impacientes progressistas exigindo uma “limpeza purificadora” (C. S. Lewis).

Créditos: Agradeço a Franklin e a Solano pela revisão crítica do post original. 

Autor: Augustus Nicodemus

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