quinta-feira, 30 de julho de 2015

Os sete “como” de Efésios 5.

A missão daquele que ensina é ser fiel à Palavra. Mesmo que ela se volte contra ele ou agrida aos seus alunos. Esse pensamento é apropriado à abordagem de Efésios 5, 21-33, pois ele traz um tema “politicamente incorreto” para os dias de hoje.

De um pensamento para outro, damo-nos conta de que, por motivos diferentes, o texto também era de difícil assimilação quando foi escrito. Como teria feito o Espírito Santo para contornar toda a formação, todo o ambiente, toda a sociedade machista do Apóstolo Paulo? Que meios teria usado Deus para evitar que o próprio Apóstolo falasse de si mesmo e do seu tempo, negando a gerações longínquas uma palavra imutável, equilibrada, e despida de roupagens locais?
Bem, gostaria de compartilhar minhas reflexões a respeito. Encontrei dois tipos de resposta, para a compreensão da passagem. No primeiro, a luz provém do entendimento da estrutura do texto; no segundo, da forma como o assunto é exposto. Eu explico.

Luz a Partir da Estrutura

A primeira coisa a se notar nesta passagem, é que ela faz parte de um texto maior: não está isolada. Há um contexto. Que contexto é esse?

Como na maioria das cartas de Paulo, há uma separação do argumento em duas partes, que poderíamos chamar de:

a) a iniciativa de Deus;
b) a resposta humana.

Na carta aos Efésios, essa divisão é equilibrada: divide o livro em dois segmentos de 3 capítulos. Nos capítulos 1 a 3, o Apóstolo narra o processo pelo qual Deus, tendo-nos criado para sua glória e louvor, e encontrando-nos mortos em nossos pecados, deu-nos vida através de Cristo, seu Filho. Nos capítulos 4 a 6, ele admoesta a igreja a viver de acordo com essa verdade. Veja como ele inicia o capítulo 4:

“Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados”. (Efésios 4:1)

Esse “pois” nos dá uma clara idéia de que ele inicia um longo argumento de aplicação.
Pois bem: que recomendações faz o Apóstolo? Recomenda-nos que andemos de forma coerente com a nossa vocação. E começa a estabelecer uma série de padrões de santidade, a serem alcançados pela igreja. São recomendações gerais, aplicáveis a toda a igreja; a todos os crentes, sejam homens, sejam mulheres, sejam moços, sejam moças. Aplicam-se a solteiros, casados, viúvos, pais, filhos, empregados, patrões, etc.

Repare, no entanto, que a grande maioria das recomendações são de caráter relacional; destinam-se a regular as relações entre os membros da igreja. Fala de mentira, de ira, de roubo, linguajar impróprio, cobiça, gritaria, avareza, e tantas outras coisas que somente se aplicam a uma pessoa quando em relação a outras. Não teriam o menor sentido, se não houvesse os outros.
E aqui vem a nossa primeira lição: uma recomendação que se aplica às relações entre dois irmãos, não se aplicaria, com muito maior motivo a um casal? Por que um irmão deveria não mentir a outro, mas poderia fazê-lo ao seu cônjuge? Por que um presbítero deveria tratar com paciência uma irmãzinha da igreja e não com sua esposa?

Ora, se o argumento acima está correto, então, o verso 21 aplica-se ao casamento, com toda a sua força.

Temos a tendência de começar a nossa exegese pelo verso 22, achando que o texto anterior é outra coisa, é “geral”. Mas mesmo que fosse, muito mais motivos teria para aplicar-se às relações familiares.

E o que este texto diz? Diz que as pessoas devem se sujeitar umas às outras no temor de Cristo. Por temor a Cristo — ou, como se fosse a Cristo —, o pastor se sujeita ao irmão; o líder ao liderado; o marido à esposa e esta ao marido. O pai trata o filho adolescente como irmão em Cristo, e vice-versa.

Aí está o primeiro tipo de resposta: na condução da estrutura do texto, Deus providencia para que Paulo fale Sua palavra e não a dele, ou a de sua sociedade. Agora, vamos ao segundo tipo de resposta, aquela que provém da análise do texto, propriamente dito.

Os Sete “Como”

— Mas vai virar uma bagunça, se eu não puder exercer minha autoridade! — dirá o marido indignado. — Afinal, o verso 23 diz que eu sou o cabeça!

Realmente, é isso que o verso diz. Mas, para que essa palavra não fosse compreendida à parte de todo o contexto, e distorcida pelo interesse do mais forte — que, de resto, no Reino de Deus não é o que fala mais grosso — Deus semeou nesta passagem sete vezes a palavra “como”, que estabelece um elemento de comparação, de forma que pudéssemos compreender o que o Espírito queria dizer. Dê uma passada no texto, leitor, e marque a palavra “como”. Percebe aí um vício de estilo de Paulo? Acredito que é mais que isso: é Deus, o Editor Geral, providenciando meios pelos quais poderíamos ouvir Sua voz por detrás do linguajar, dos costumes e das restrições idelológicas do seu autor humano.

O primeiro “como” está no verso 22 e define como as mulheres devem submeter-se aos maridos: como ao Senhor. Veja que não é como o marido acha que deva ser; não é como ele manda, como e quando ele estala os dedos. Ela deve submeter-se a ele como ela se submete ao Senhor. Se não houvesse este “como”, a passagem estaria a dizer, de modo absoluto, que as mulheres devem colocar-se sob a missão do marido. O que já pressupõe que o marido deve ter, para o lar, uma missão. Sem missão, a submissão torna-se impossível. Aí está um assunto que merece ser melhor desenvolvido. Sem missão não há liderança efetiva!

Mas este elemento de comparação não termina aí; parte para esclarecer o lado do marido: “porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja…” Veja! Há parâmetros para a liderança do marido. Assim como a submissão da esposa tem um modelo, também a liderança do marido é definida pelo “como” do texto. E a definição é o exemplo do próprio Cristo.

Note, então, que a comparação toda que esses “como” estabelecem é entre as relações marido-mulher e as relações Cristo-igreja. E o apóstolo fecha esse argumento introdutório, no verso 24, dizendo que a mulher deve estar sujeita ao marido, como a igreja a Cristo.

Talvez fosse hora de parar para perguntar: “Como a igreja está sujeita a Cristo?” Se compreendermos as características dessa sujeição, saberemos mais sobre as características das relações mulher-marido. Talvez algumas palavras-chave extraídas dos múltiplos textos bíblicos que falam sobre as atitudes da igreja em relação a Cristo ajudem o leitor a iniciar sua pesquisa. Eis algumas: devoção, iniciativa, voluntariedade, fidelidade, abnegação, gozo e alegria. Nada que lembre constrangimento, contrariedade, amargura, subserviência, servilidade, rancor ou enfado. Cristo não quer um serviço forçado e mal-feito; serviço apressado, nos minutos de sobra, sem capricho, sem amor, sem atenção, sem gozo. Cristo não se propõe como um capataz que se limita a dar ordens e a punir os faltosos. Não é esse o tipo de relações que oferece. Oferece relações de amor, de responsabilidade, disciplina, iniciativa, reciprocidade. Assim, pois, deve a mulher portar-se, ao assumir a missão que, pelo marido, o Senhor designa àquele lar.

Aí está um leve bosquejo do que o texto quer dizer com os três primeiros “como”, dirigidos, primariamente às mulheres.

Agora, a Palavra se volta para os maridos, e os 4 “como” seguintes revelam a natureza de sua atitude em relação às esposas: “como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela”.

Repare que não há uma única palavra sobre poder, autoridade, domínio, direitos e prerrogativas, mas “se entregou por ela”. Fala somente de sacrifício! Para apresentá-la a si mesmo esposa gloriosa, sem mácula, nem ruga nem cousa semelhante, porém santa e sem defeito (verso 27). Será que exagerei na transposição, leitor? Creio que não. Não é por meio de críticas, ameaças, pressões psicológicas ou punições que Cristo lidera sua igreja, sua noiva. Nem mesmo quando essa noiva se mostra rebelde, desorientada e infeliz. Ao contrário, ele diz que está à porta e bate. Pacientemente.

Cristo nos ensina, com sua atitude, que o verdadeiro líder não usa sua posição em benefício próprio. Ao contrário, o verdadeiro líder é o que atende às necessidades dos liderados. Ser Cabeça não é prêmio, é cargo, é função. Função que emana da cruz, com todas as suas farpas. Não é posto para ser gozado, mas missão que será cobrada.

É por isso que o homem deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher (31). É preciso muita independência e maturidade para tal missão. Ser “autoridade”, no sentido secular, é relativamente fácil. Até para imaturos. No sentido aqui apresentado exige fibra e desprendimento.

— Mas então, dirá você, como “funciona” esse sistema? Assim como está sendo apresentado, ele parece ter um equilíbrio tão frágil…

As relações no Reino dão-se na base do amor e da submissão voluntária. Um se submete ao outro, “como ao Senhor”. Aquele que quer ser o maior, faz-se menor e serve aos demais. E os demais dificultam essa tarefa, pois também amam ao Senhor, e também querem servir. Grande é este mistério (32)!

Este modelo, quando aplicado ao casamento, tem a função de testemunhar, nas regiões celestiais, que o projeto de Deus para o relacionamento entre suas criaturas é viável e possível, quando seu nome é invocado. O casamento, então, torna-se a vitrine do Reino, nas regiões celestiais.

Autor: Rubem Amorose 

Fonte: Ultimato

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