terça-feira, 13 de agosto de 2013

Há esperança para Sodoma!


Há quase três anos, por ocasião da VII Convenção de nossa igreja, preguei um sermão intitulado “Sodoma é aqui”. Expus diante do olhar de uma multidão que razão principal pela qual Deus julgou aquela sociedade não foi de ordem moral, como geralmente se crê. Hoje quero dar sequência àquela mensagem e mostrar o propósito de Deus para a nossa sociedade.
É através do profeta Ezequiel que Deus revela qual foi a “gota d’água” que deflagrou o juízo sobre Sodoma e Gomorra:

“Ora, foi esta a maldade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão, e abundância de ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre e o necessitado. Elas se ensoberbeceram, e fizeram abominação diante de mim; pelo que, ao ver isso, tirei-as do seu lugar.”Ezequiel 16:49-50

Repare que esta palavra veio como advertência ao povo de Jerusalém, a quem Deus se dirige como “irmã” de Sodoma. Embora aquele povo tenha se degradado moralmente, a ponto de tentar molestar os visitantes celestiais, o que mais aborreceu a Deus foram os pecados de ordem social. Talvez sua promiscuidade fosse apenas um dos sintomas de sua degeneração.

Do ponto de vista material, Sodoma era uma sociedade em franca ascendência, a ponto de atrair imigrantes como Ló e sua família. Porém, da perspectiva espiritual, Sodoma era uma sociedade miserável, atolada na soberba e no egoísmo. 

Não há nada de intrinsecamente errado em ser próspero. Não foi disso que Deus a acusou. Seu erro era não saber compartilhar com os mais pobres e necessitados. Imagino que uns poucos acumulavam a maior parte da riqueza gerada por aquela sociedade, e a maioria, soma de todas as minorias, era desprezada e excluída do bolo. Deus não poderia fazer vista grossa àquilo. 

Nem mesmo a intercessão de Abraão foi capaz de impedir que o juízo de Deus golpeasse a arrogância de seus habitantes.

Sodoma e sua irmã gêmea, Gomorra, entraram pra história como arquétipos de sociedades fadadas a serem consumidas pelo ardor do zelo divino.

Séculos se passaram, e agora Deus tratava de julgar Seu próprio povo. Jerusalém que se via como a cidade do grande Rei, terra santa, povo exclusivo, também se degenerara e seguia a passos largos para um fim semelhante ao de Sodoma. Para que se sentisse bem consigo mesma, Jerusalém tinha como referência de iniquidade duas outras sociedades, uma separada pelo tempo e a outro pelo espaço. Sodoma já não exisita há vários séculos. Era apenas uma referência histórica. Mas bem perto dali, havia outra cidade reputada pelo moradores de Jerusalém como merecedora do juízo divino. Refiro-me à Samaria, nova capital de Israel, o reino do norte. No imaginário popular, Samaria era símbolo de perversão, de impureza, de injustiça. “Não somos como eles!”, diria um judeu daquele tempo.

Deus, então, resolve tocar em sua maior ferida: o orgulho:

“Samaria não cometeu metade de teus pecados. Multiplicaste as tuas abominações mais do que elas, e justificaste a tuas irmãs, com todas as abominações que fizeste. Sofre a tua vergonha, tu que julgaste a tuas irmãs, pelos teus pecados, que cometeste mais abomináveis do que os delas; mais justas são do que tu. Envergonha-te logo também, e sofre a tua vergonha, pois justificaste a tuas irmãs.” Ezequiel 16:51-52

Perto de vocês, os pecados de Sodoma e Samaria são fichinhas! Vocês deveriam se envergonhar!

Comparadas a vocês, elas são justas! Era exatamente isso que Deus estava dizendo.

Ezequiel não foi o único profeta a tocar nesta ferida. Veja o que diz Jeremias:

“Porque maior é a iniqüidade da filha do meu povo do que o pecado de Sodoma, a qual foi subvertida como num momento, sem que mãos lhe tocassem.” Lamentações 4:6

Chegou a um ponto em que Jerusalém tornou-se a réplica de Sodoma, ou mesmo a sua extensão. Basta dizer que em Apocalipse lemos que a cidade onde Jesus fora crucificado “espiritualmente se chama Sodoma e Egito” (Ap. 11:8). Triste quando nos tornamos naquilo que tanto combatemos. Jerusalém reencarnou Sodoma! 

Tenho a nítida impressão de que a igreja cristã deste século está incorrendo no mesmo erro dos moradores de Jerusalém. Achamo-nos tão santos, que sentimo-nos confortáveis diante da degradação que há no mundo, seja de ordem moral ou social. Oramos como aquele fariseu da parábola de Jesus, que ficava se comparando com o publicano que orava ao seu lado, dizendo: Não sou como ele, Senhor! 

Paulo já havia detectado esta tendência na igreja dos coríntios, quando os repreendeu dizendo:

“Geralmente se ouve que há entre vós imoralidade, e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios…” (1 Co.5:1a). E aos crentes judeus em Roma, ele escreve: “Portanto, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, pois te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro, porque tu que julgas, fazes o mesmo (…) Tu, ó homem, que julgas os que fazem tais coisas, pensas que, fazendo-as tu, escaparás ao juízo de Deus? (…) e confias que és guia dos cegos, luz dos que estão em trevas, instruidor dos néscios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na lei; tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, roubas os templos? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós” Romanos 2:1,3,19-24
Como a igreja ousa apontar as mazelas do mundo, se ela mesma tem se tornado naquilo que tanto condena? 

O fato de Deus insistir em fazer da igreja o cenário onde Sua glória se manifesta só complica as coisas para ela. Não significa que Deus esteja endossando seus descaminhos. 

“Diz o Senhor: Este povo se aproxima de mim com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim. O seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em coisa aprendida por rotina. Portanto continuarei a fazer uma obra maravilhosa no meio deste povo, uma obra maravilhosa e um assombro; a sabedoria dos seus sábios perecerá, e o entendimento dos seus prudentes se esconderá. Ai dos que profundamente escondem do Senhor o seu propósito, e fazem as suas obras às escuras, e dizem: Quem nos vê? E quem nos conhece? Vós a tudo perverteis!” Isaías 29:14-16a

Quando caminhou entre os homens, Jesus escolheu Cafarnaum para morar e para ser cenário da maioria dos Seus milagres. Antes que seus moradores se sentissem melhores do que os de outras vilas, Jesus advertiu:

“E tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje. Porém eu vos digo que no dia do juízo haverá menos rigor para os de Sodoma, do que para ti.” Mateus 11:23-24

É claro que isso não significa que Cafarnaum seria alvo de bolas de fogo vindas do céu, como ocorreu com Sodoma. Porém, Deus não faria vista grossa para com seus pecados. Aquela geração que presenciou tão grandes sinais seria julgada por Deus com rigor maior do que o usado para com os habitantes de Sodoma. Tal rigor também se aplicaria a qualquer sociedade que, em tendo a oportunidade de ouvir a verdade do Evangelho, a recusasse deliberadamente. Veja a advertência que Jesus faz ao comissionar Seus discípulos:

“Quando entrardes numa cidade, e vos receberem, comei do que vos oferecerem. Curai os enfermos que nela houver, e dizei-lhes: É chegado a vós o reino de Deus. Mas quando entrardes numa cidade, e não vos receberem, saindo por suas ruas, dizei: Até o pó que da vossa cidade se nos pegou sacudimos sobre vós. Sabei, contudo, que já o reino de Deus é chegado a vós. Digo-vos que mais tolerância haverá naquele dia para Sodoma do que para aquela cidade.” Lucas 10:8-12

Cada geração e cada sociedade serão julgadas de acordo com a oportunidade que houverem recebido. Este princípio está claro nas palavras do próprio Cristo: “A qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou muito mais se lhe pedirá” (Lc.12:48b).

Em Lucas 11:32, Jesus admoesta àquela geração, comparando sua postura ante àquilo que havia recebido, com a postura dos ninivitas contemporâneos de Jonas: “Os homens de Nínive se levantarão no juízo com esta geração, e a condenarão; pois se converteam com a pregação de Jonas, e aqui está quem é maior do que Jonas.” 

Portanto, não somos melhores por aquilo que recebemos, porém, seremos mais cobrados por isso. 
No dia do juízo, quando Cristo assentar-se para julgar os homens, todas as gerações convergirão diante d’Ele para prestar-Lhe contas. O que temos feito com aquilo que d’Ele recebemos? 

Antes de apontar o dedo para os que se acham ‘fora da igreja’, como se fôssemos melhores do que eles, lembremo-nos que o juízo de Deus começa pela Sua própria casa (1 Pe.4:17). Diante da luz, nossa pretensa santidade será exposta. Nossa vaidade sucumbirá. Nossos argumentos serão calados. 

O que nos torna piores do que aqueles que julgamos ser os remanescentes de Sodoma é justamente o fato de não nos importamos com eles. Só haverá esperança caso um deles se tornem um de nós. É assim que pensam muitos de nós.

Há esperança para Sodoma?

Ora, se Sodoma tornou-se arquétipo da sociedade humana como um todo, em franca decadência moral, ética e social, haveria alguma esperança para ela?

Em Judas 1:7 lemos que Sodoma e Gomorra “foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno.” Seria isso sinônimo de total desesperança? 

Como apagar um fogo eterno? Como impedir que toda uma sociedade seja consumida por ele? Haveria alguma esperença para os habitantes de Sodoma?

Primeiro, precisamos descobrir a natureza deste “fogo”. Não se trata de fogo literal, pois se fosse, ainda veríamos a fumaça de Sodoma e Gomorra. “Fogo” é uma metáfora para a ira justa de Deus contra a iniquidade. Este furor divino não visa aniquilar, mas purificar. Quando diz que o fogo é eterno não está se referindo à duração de suas chamas, mas à duração de seu efeito. O sábio pregador de Eclesiastes afirma que “tudo quanto Deus faz durará eternamente” (Ecl.3:14). Nada que tenha sua origem em Deus foi feito para acabar. O fogo é eterno porque tem sua origem em Deus, e seus efeitos são irreversíveis.

Isso, porém, não significa que a ira de Deus permaneça sobre alguém ou sobre uma sociedade eternamente. O salmista declara veementemente: “Porque a sua ira dura só um momento” (Sl. 30:5). Em contrapartida, “a sua misericórdia dura para sempre”(Sl.106:1). Também lemos que “compassivo e piedoso é o Senhor, lento para a cólera, e abundante em amor. Não repreenderá perpetuamente, nem para sempre conservará a sua ira” (Sl.103:8-9). Às vezes parece que temos pregado o oposto disso, como se a ira de Deus durasse para sempre, enquanto que a Sua misericórdia abrangesse apenas um curto espaço de tempo. 

Como, então, podemos explicar algumas passagens, como as que se seguem?

“E outra vez disseram: Aleluia! E a fumaça dela sobe para todo o sempre” (Ap.19:3). Esta passagem fala do juízo que desceria sobre a Grande Babilônia, nome pelo qual Jerusalém é conhecida no livro de Apocalipse. No ano 70 d.C. a cidade foi sitiada, invadida e incendiada pelo romanos. Dizer que sua fumaça subiria para sempre é uma hipérbole que visa enfatizar o fim dramático que teria a cidade que rejeitara a paz oferecida por Jesus. Não se pode fazer uma leitura literal do texto. Se assim fosse, ainda veríamos a fumaça enegrecendo os céus da Palestina. 

Outra passagem interessante é a que diz: “Portanto assim diz o Senhor DEUS: Eis que a minha ira e o meu furor se derramarão sobre este lugar, sobre os homens e sobre os animais, e sobre as árvores do campo, e sobre os frutos da terra; e acender-se-á, e não se apagará” (Jer.7:20). Aqui Deus adverte os moradores de Jerusalém para que se arrependam, porque o juízo era iminente. Este texto deixa claro que o “fogo” é, de fato, uma alusão à ira de Deus contra a injustiça dos homens. 

Noutra passagem encontrada no livro de Isaías, lemos: “Nem de noite nem de dia se apagará; para sempre a sua fumaça subirá; de geração em geração será assolada; pelos séculos dos séculos ninguém passará por ela” (Is. 34:10). Neste texto em particular, Deus adverter às nações inimigas de Israel, entre elas, Edom. É dito que seus ribeiros se transformariam em piche, e o seu pó em enxofre (v.9). Mais uma vez estamos diante de uma hipérbole, figura de linguagem fartamente encontrada nas profecias e na literatura apocalíptica dos judeus. 

O próprio Jesus fez uso desta linguagem, tão familiar aos Seus contemporâenos. Ele diz: “Vim lançar fogo na terra; e que mais quero, se já está aceso?” (Lc.12:49). Seria até cômico fazer uma leitura literal aqui. Imagine: Jesus, um incendiário!

Mesmo o juízo traz em seu bojo a misericórdia divina. Não confundamos “ira” com “ódio”, que é o oposto de amor. Mesmo que esteja irado devido à injustiça que temos praticado, Ele jamais deixou de nos amar. Ira tem a ver com a reação de Deus ante à injustiça. Amor tem a ver com Sua essência. Uma coisa é o que Ele sente, outra o que Ele é. Deus não é ira. Deus é Amor!

Nenhuma sociedade está irremediavelmente perdida. Nem mesmo Sodoma, seja a de ontem, ou seja a de hoje. 

Retornando à primeira passagem que consideramos nesta reflexão, encontramos uma inusitada promessa:

“Todavia, farei voltar os cativos delas; os cativos de Sodoma e suas filhas, os cativos de Samaria e suas filhas, e os cativos do teu exílio entre elas, para que sofras a tua vergonha, e sejas envergonhada por tudo o que fizeste, dando-lhes tu consolação. Quando tuas irmãs, Sodoma e suas filhas, tornarem ao seu primeiro estado, e Samaria e suas filhas tornarem ao seu primeiro estado, também e tuas filhas tornareis ao vosso primeiro estado. Nem mesmo Sodoma, tua irmã, foi mencionada pela tua boca, no dia das tuas soberbas” (Ez. 16:53-56).

Quem diria que um dia até Sodoma seria restaurada, voltando ao seu primeiro estado? A execução da ira divina tem seu papel redentivo. Mas quem tem a última palavra é a misericórdia. Por isso Tiago declara: “A misericórdia triunfa sobre o juízo!” (Tg.2:13b).

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