quarta-feira, 21 de março de 2012

Adoração Profética.

Entre o desespero e o 'mantra espiritual', tem sempre alguém metido a Habacuque"

A cena é sempre a mesma: o povo com as mãos no "coração" fazendo um leve movimento de dança (alguém se imagina bailando com os anjos). Um músico faz uma caretinha "santa" aqui, outro expulsa uma lágrima ali. De repente, vem a frase: "Irmãos, vamos fazer uma adoração profética!" A reação em cadeia acontece: gritos de guerra (a veia bélica da igreja), clichês evangelísticos ("O Brasil é de Jesus"), utopia ("Somos corpo!"). Tem sempre um mais carnavalesco que cai, rola e levanta com um ar de extraordinário. Tem sempre uma meia dúzia que "pega no tranco" lá pelas tantas, quando a tal "adoração profética" nem sabe mais qual era o teor da "profecia".

Essa coisa toda me cansa. Sabe aquela sensação de que tá na hora de trocar o CD? É assim que me sinto. Desculpe se você acha que eu tô muito crítico, é que minha veia desconfiada e vacinada fica à mil quando esses "profetismos melodramáticos" tentam fazer no teatro, o que o Espírito Santo faz na alma honesta. Um poeta afirmou que hoje "nem tudo está perdido, mas tudo está ameaçado". Dói, mas tenho que fazer côro com ele. Faço eco dolorido dessa nitroglicerina verbal.
A verdade é que a auto-espiritualidade chegou pra ficar. É gente tentando controlar, manipular e vender um certo senso de divino (e aí, "profético" é o ápice sagrado). São espiritualidades drogadas. Gente que experimenta "momentos de louvor" como se fossem viagens da droga. E como disse Leonardo Boff: "O problema da droga não é a viagem, mas a volta da viagem, quando então, não se suporta mais a realidade".
Não sei qual foi a "mente apostólica super mega hiper santa" que criou essa "adoração profética", mas sei de quem é a culpa. Eles (os profetas da adoração) jogam a culpa em Davi (sempre ele!), em Habacuque (e o coitado estava no "olho do furacão", e não num camarim), em Asafe (e o rapaz tava reclamando!). Por que será que a gente detesta o fato de que adorar é expor a alma a Deus do jeito que ela quer e não na base da manipulação profética? A espiritualidade nostradâmica ainda vai frustrar muita gente (e isso sim, é profecia!).
Aliás, o profeta, do ponto de vista bíblico, é aquele que comunga os sentimentos de Deus (do grego, patós). É gente que sente o que Deus sente, e não aquilo que acham que Deus sente (esse "achismo" é milagroso. Faz cada uma...). As lágrimas de Jeremias são de Deus. O profeta se transforma numa metáfora viva. Ele empresta o rosto para Deus chorar e o povo enxerga esse choro. Profecia que não se encarna, não é real. O verbalismo profético é apenas uma forma de conferir um "status" espiritual canalha, que, em nome de uma divinização, força as pessoas a "abrirem o coração". 
Na verdade, essa nossa "adoração profética" é sintomática - temos saudade da voz de Deus, e aí, vamos criando nossos próprios sons. Por isso é que lá na transfiguração (Lc. 9.35), a voz do céu diz: "Este é meu filho amado. A Ele ouvi". Deus sabia que nos acostumaríamos aos nossos próprios ruídos. Nessa busca pela voz de Deus, vamos abafando-a no murmúrio que produzimos. É estranho - esse profetismo tem um inimigo devastador: a segunda-feira! Poucos "profetas" conseguem levar toda aquela "santidade" pra dentro do tédio da segunda-feira.
Cansei! Os "profetas da adoração" que me perdoem, mas, prefiro Davi, Habacuque e Asafe. Prefiro os originais. Pelo menos eles tinham certeza do que estavam dizendo. Eles não faziam nenhuma "adoração profética". Deus é que transformava as palavras, às vezes furiosas, deles, em profecias de amor. Aliás, Deus é amor, e profecia sem amor é tragédia e caos. Como disse Caio Fábio: "Não tenho de ser para ninguém, nada além daquilo que Deus sabe que eu sou."

Até mais

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