segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Jesus Cristo morreu desesperado?


Uma das frases mais incompreensíveis que Jesus possa ter pronunciado, foi a que disse antes de morrer na cruz. Após várias horas de agonia, e pressentindo que a sua morte estava iminente, lançou um grito terrível: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mt 27,46; Mc 15,34)
Estas misteriosas palavras, apenas contadas por Mateus e Marcos, sempre intrigaram os leitores da Bíblia, que até hoje se interrogam como pôde Jesus ter deixado sair da sua boca semelhante queixa. Terá sentido, porventura, que a sua missão havia fracassado? Ou percebeu que Deus, o seu único apoio durante a vida, lhe faltou na hora da morte? Pensou Jesus que morria como um filho abandonado por seu pai? Tomadas ao pé da letra, tais palavras poderiam levar-nos a crer que Jesus morreu no desespero.
Jesus Cristo morreu desesperado?
Mas não foi assim. Jesus, ao pronunciar essa frase, na verdade estava a rezar um Salmo. De facto, se procurarmos nas nossas Bíblias, veremos que o Salmo 22 começa precisamente assim:

«Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste...?» E continua: «...rejeitando o meu lamento, o meu grito de socorro? Meu Deus, clamo de dia e não me respondes; durante a noite, e não tenho sossego.»

Porque pronunciou Jesus um Salmo tão amargo e desencorajador na hora da morte? O que sucede é o contrário: o Salmo 22, intitulado "Oração de um justo que sofre", ou "Paixão do justo", é um dos Salmos mais esperançosos de toda a Bíblia. A primeira parte descreve os sofrimentos por que passa um homem inocente (v.2-23). Mas a segunda (v.24-32) é um magnífico acto de confiança em que Deus o livrará de todas essas angústias. O final diz:
«Vós, que temeis o Senhor, louvai-o!
Pois Ele não desprezou nem desdenhou a aflição do pobre,
nem desviou dele a sua face;
mas ouviu-o, quando lhe pediu socorro.[...]
louvarão o Senhor os que o procuram.
"Vivam para sempre os vossos corações."
Uma nova geração o servirá
e narrará aos vindouros as maravilhas do Senhor.» (vv. 24.25.27.31)
Então, porque é que os evangelistas citam as primeiras palavras, e não as últimas que são as esperançosas? Porque, para a mentalidade judia, citar o início de um Salmo equivale a citar o Salmo todo. Por isso, ao referir as palavras iniciais, os escritores dão a entender que Jesus recitou todo o Salmo. Assim o entendeu também o autor da Carta aos Hebreus (2,11-13) quando, ao falar da paixão do Senhor, diz que Jesus, na cruz, rezou o final do Salmo 22, e não as palavras dolorosas do princípio, que são as referidas pelos evangelistas.



Quando Deus ajudava os bons


Mas esta resposta, por sua vez, leva-nos a colocar outra questão: Porque motivo os evangelistas conservaram a lembrança tão insignificante da recitação de um Salmo por Jesus, quando outros pormenores que os historiadores consideram mais importantes (como as precisões cronológicas da paixão, a forma da cruz, o modo como foi crucificado) nem sequer são mencionados?
Para responder a isto é preciso ter em conta algo que hoje já não chama a atenção, e é o escândalo que a morte de Jesus significou para os judeus daquele tempo. Por várias razões: Em primeiro lugar, porque na época de Jesus existia a convicção de que, quando uma pessoa era fiel a Deus e cumpria os seus mandamentos, Deus sempre acudia a salvá-la e não permitia que lhe acontecesse nada de mau. Todo o libro de Daniel, por exemplo, expõe esta ideia em forma de contos: a quatro jovens judeus que se negam a comer alimentos proibidos, Deus engorda-os milagrosamente (1,3-15); a Azarias e seus companheiros, lançados num forno aceso por não adorar a estátua do rei Nabucodonosor, o fogo nem os toca (3,46-50); a Daniel, abandonado na cova dos leões por ser fiel a Deus, fá-lo sair vivo (6,2-25); a Susana, livra-a das falsas acusações contra a sua honra. O próprio livro da Sabedoria afirma: «... se o justo é filho de Deus, Deus há-de ampará-lo e tirá-lo das mãos dos seus inimigos» (2,18).

Qualquer judeu, pois, partilhava a ideia de que Deus salva sempre a pessoa inocente.

Então, porque não acudiu a Jesus? A conclusão que se impunha era de Jesus de ter sido um pecador...



A morte de um delinquente


Em segundo lugar, porque Jesus foi morto pelos representantes de Deus, isto é, os sacerdotes. E fizeram-no em nome da Lei de Deus: «Nós temos uma Lei, e segundo essa Lei deve morrer» – exclamaram os seus acusadores perante Pilatos (Jo 19,7). Jesus, pois, não morreu como um profeta, mas como um delinquente. Finalmente, porque o género de morte que Jesus padeceu (suspenso do madeiro), transformava-o automaticamente, segundo a Bíblia, num maldito de Deus. Com efeito, um versículo do livro do Deuteronómio afirmava: «o enforcado é uma maldição de Deus» (Dt 21,23). E de todas as mortes, foi exactamente essa que Jesus sofreu!

Para o povo judeu, então, Jesus morreu:

a) sem o auxílio divino;
b) em nome das autoridades religiosas; e
c) maldito por Deus.

Seria possível uma morte mais vergonhosa? Como poderiam os cristãos convencer a gente de que Ele era o Messias, o Filho de Deus que vinha salvar o seu povo? Nenhum judeu piedoso o teria aceitado.



Que o digam os Salmos


Face ao escândalo, difícil de dissimular, da ignominiosa morte de Jesus, os primeiros cristãos, iluminados por Deus, encontraram uma solução: demonstrar que tudo o que tinha sucedido a Jesus, na sua paixão e morte, já estava anunciado no Antigo Testamento. Que todos os sofrimentos do Mestre estavam previstos por Deus, e aconteceram segundo a sua vontade. E que até os pequenos pormenores do seu escandaloso final tinham sucedido «para que se cumprissem as Escrituras».

Como o livro mais lido, conhecido e meditado pela piedade judaica era o dos Salmos, ali foram os cristãos buscar elementos para provar as circunstâncias proféticas da morte do Senhor. Por isso, na paixão de Jesus acumulam-se, mais do que em nenhum outro momento da sua vida, as referências aos Salmos (mais de vinte), como se ali tivessem querido concentrar todo o cumprimento das predições bíblicas. E por isso mesmo, os relatos da paixão e morte de Jesus não oferecem precisão histórica, nem fazem uma crónica exaustiva dos factos. Passam por alto muitas cenas importantes, deixam outras na penumbra, e detêm-se preferencialmente naquelas que podem encontrar o seu apoio nas Sagradas Escrituras, mesmo que sejam de pouco interesse.

Cada comunidade cristã, e depois cada evangelista, fez o que pôde neste esforço de explicar, mediante as profecias dos Salmos, o "escândalo da cruz". E quais foram os Salmos que encontraram?



A prisão e a agonia


Logo no início da paixão, enquanto Mc e Lc dizem que eram os sumos sacerdotes e escribas que conspiravam contra Jesus e procuravam modo de prendê-lo, Mt, mais cuidadoso, diz que foram "os chefes", e menciona "uma reunião" que fizeram para o prender (26,3-4). Porque assim se cumpria a profecia do Salmo 2,2: «os príncipes conspiram juntos contra o Senhor e o seu Ungido».

João também explica a traição de Judas (13, 18) com a profecia de um Salmo. Afirma que isso aconteceu porque «há-de cumprir-se a Escritura» [do Salmo 41,10 que diz]: «Até o meu amigo íntimo, em quem eu confiava e que comia do meu pão, até ele se levantou contra mim».

E mais adiante, reitera-o: «nenhum deles se perdeu, a não ser o homem da perdição, cumprindo-se desse modo a Escritura» (17,12), referindo-se ao mesmo Salmo.

O facto incompreensível de que Jesus, apesar de ter passado fazendo o bem e ajudando os mais pobres, fora odiado e rejeitado pelas autoridades judaicas, estava igualmente anunciado nos Salmos. Jesus diz: «continuam a odiar-me a mim e ao meu Pai. Tinha, porém, de se cumprir a palavra que ficou escrita na sua Lei (o Salmo 69,5): "odiaram-me sem razão".» (Jo 15,24-25)

E ao narrar a terrível agonia no horto de Getsémani, os evangelistas relatam que Jesus fez aos seus discípulos esta confidência: «A minha alma está numa tristeza de morte» (Mt 26,38; Mc 14,34), para que se cumprissem as palavras do Salmo 42,6 (na sua versão grega).



Fel em vez de mirra


Os Evangelhos referem que, quando Jesus foi preso e conduzido perante as autoridades, «o Sumo Sacerdote voltou a interrogá-lo: "És tu o Messias, o Filho do Deus Bendito?" Jesus respondeu: "Eu sou. E vereis o Filho do homem sentado à direita do poder e vir sobre as nuvens do céu".» (Mc 14,62). Assim se cumpria o dito pelo Salmo 110,1, que para os evangelistas profetizava a glorificação de Jesus por Deus.

Também a intervenção de testemunhas falsas contra Jesus, durante o julgamento perante o Sinédrio (Mt 26,59-61; Mc 14,55-59), estava prevista nos Salmos 27,12 e 35,11: «Levantaram-se contra mim falsas testemunhas, e pediram-me contas de coisas que eu ignorava.» Depois de condenar o Senhor à morte, conduziram-no ao monte Calvário. Então, Marcos diz que, antes de o crucificarem, «queriam der-lhe vinho misturado com mirra» (15,23). Era uma bebida que se costumava dar aos condenados à morte como narcótico para os entontecer e assim atenuar os seus sofrimentos. E acrescenta: «mas Ele não quis beber», para mostrar que Jesus tinha querido assumir os seus padecimentos até ao fim. Mateus, pelo contrário, diz que lhe deram a beber «vinho misturado com fel», e não com mirra, e que Jesus o provou, embora não quisesse beber (27,34). Mateus faz estas alterações para demonstrar que se estava a cumprir a profecia do Salmo 69,22 (na sua versão grega), que dizia: «Deram-me fel, em vez de comida, e vinagre, quando tive sede.»



As vestes e as sortes


Quando despojaram Jesus para o crucificarem, chama a atenção o facto de os quatro Evangelhos anotarem o pormenor insignificante de que os soldados repartiram entre si as suas vestes e deitarem sortes sobre a túnica para ver a quem caberia. E João explica a importância deste pormenor: porque «assim se cumpriu a Escritura (do Salmo 22,9), que diz: "repartiram entre eles as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes".» (19,24). Por isso, até o facto trivial do destino das suas roupas, estava previsto no plano de Deus.

Ao descrever as injúrias lançadas contra Jesus pelos que passavam, Mateus diz que o faziam «meneando a cabeça e dizendo: [...] "Confiou em Deus, Ele que o livre agora, se o ama".» (27,39). Para que se cumprisse o anunciado no Salmo 22,8-9, que diz: «... abanam a cabeça. "Confiou no Senhor, Ele que o livre; ... já que é seu amigo".» E Lucas acrescenta que «os chefes zombavam...» de Jesus (23,35), para recolher a profecia desse mesmo Salmo: «Todos os que me vêem escarnecem de mim» (22,8).



As últimas palavras


No meio de terríveis tormentos, e já próximo da sua morte, Jesus exclama: «Tenho sede.» São João diz que isso aconteceu «para se cumprir totalmente a Escritura» (do Salmo 22,16), que predizia: «A minha garganta secou-se como barro cozido e a minha língua pegou-se-me ao céu da boca.» Então os soldados correram e ofereceram-lhe vinagre, e Jesus tomou-o (Jo 19, 29). Com isto cumpria-se uma nova profecia, a do Salmo 69,22: «Deram-me [...] vinagre, quando tinha sede.»

Chega, então, o momento das últimas palavras de Jesus. Com grande agudeza, Mt e Mc dizem que foram estas: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mt 27,46; Mc 15,34). Deste modo, como já dissemos, mostravam Jesus como o homem inocente e bom que sofria injustamente, e que por isso mesmo seria logo reabilitado por Deus.

Lucas, que escreveu o seu Evangelho para leitores não judeus, e portanto pouco conhecedores de Salmos, temeu escandalizá-los com estas palavras, e preferiu colocar na boca de Jesus outra expressão, também de um Salmo (31,6), mas que era menos ambíguo: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46). Estas foram, para ele, as últimas palavras que Jesus proferiu.



Os ossos partidos


O que sucedeu na morte de Jesus também estava previsto pelos Salmos, segundo os evangelistas.

Lucas, por exemplo, anota que «todos os seus conhecidos [...] mantinham-se à distância, observando» a desgarradora cena (23,49), porque o Salmo 38,12 tinha profetizado: «Os meus amigos e companheiros afastam-se da minha desgraça.»

E João (19,36) relata que os soldados partiram as pernas dos dois ladrões crucificados juntamente com Jesus; mas que a Ele não lhe quebraram as pernas, antes, «um dos soldados atravessou-lhe o peito com uma lança», para que se cumprisse a profecia do Salmo 34,21: «Ele guarda todos os seus ossos, nem um só será quebrado.»



Não era um castigo de Deus


Os primeiros cristãos procuraram no Antigo Testamento a razão pela qual a Jesus tocou sofrer uma morte tão cruel como injusta. E descobriram que nos Salmos, especialmente nos de lamentação e confiança, estavam antecipados todos os acontecimentos da paixão.

Ali se encontrava a explicação teológica desses acontecimentos. A sua morte, portanto, não tinha sido um "testemunho de Deus". Jesus outra coisa não era do que o justo que tinha vindo para cumprir as profecias desse inocente que aparecia nos Salmos sofrendo injustamente, carregando o peso do ódio dos seus inimigos, mas com toda a sua confiança posta em Deus.

Os relatos da paixão de Cristo não são narrações biográficas, mas teológicas. Isto é, os evangelistas não quiseram oferecer um relato historicamente exacto, nem pormenorizar com precisão como sucederam aqueles factos, mas unicamente explicar qual era o sentido da morte de Jesus. Daí as grandes lacunas que existem nestas narrações, e as divergências entre os quatro relatos.



A vida: um Salmo com duas partes


Os relatos da paixão foram compostos para leitores crentes. E ao apresentá-los como o cumprimento de passagens do Antigo Testamento, mesmo que fossem de escasso interesse (como o repartir das vestes, ou o vinagre que lhe deram a beber), os seus autores pretenderam unicamente ensinar que Jesus era, na verdade, o enviado de Deus. E que ao estar previsto pela palavra de Deus tudo o que foi vivido na sua paixão, podia ser aceite sem receio como Salvador da humanidade.

No dia em que Jesus morreu, Deus guardou silêncio. Um silêncio atroz, que parecia dar razão aos verdugos que o condenaram. Contudo, os primeiros cristãos descobriram, anos mais tarde, que Deus não se tinha calado. Que desde há séculos vinha gritando, nos Salmos, aquilo que a seu Filho tocaria padecer, por se manter fiel ao Amor que pregou. Mas que, apesar de tudo, ia acompanhá-lo, apoiá-lo e cuidar dele até ao fim. Deus prometeu cuidar sempre dos homens, especialmente dos que sofrem ou passam dificuldades. E há-de cumpri-lo. Quando nos virmos assoberbados pelos problemas ou pelas angústias da vida, nunca pensemos que Deus está silencioso.  

Autor:Ariel Valdés Tradução LOPES MORGADO

Um comentário:

  1. Eu acho que Jesus não morreu desesperado não .

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